Um tradutor amador é um falante nativo de uma língua com conhecimentos intermédios ou avançados de outra ou outras línguas e sem formação ou experiência extensa em tradução. Não raras vezes, a falta de experiência prática e conceções erradas sobre o que é a tradução levam os tradutores amadores a cometerem “erros de principiante” que resultam em traduções mais precárias.
Não irei debruçar-me sobre erros comuns de tradução — amplamente abordados em 13 publicações prévias (disponíveis aqui: I, II , III, IV, V, VI, VII, VIII, IX , X, XI, XII e XIII) —, mas antes sobre condutas ou abordagens prejudiciais ao processo de tradução e ao desempenho do tradutor.
Este artigo enumera seis condutas a evitar por todos os que pretendam iniciar-se em tradução a nível profissional, nomeadamente:
Aceitar trabalho numa língua que não se domina – inclusive a sua língua nativa
O primeiro erro crítico de um tradutor amador é aceitar trabalhos de tradução em pares de línguas que não domina perfeitamente.
Ser falante nativo de uma língua não é sinónimo de dominar ou de ter sensibilidade para a arte da escrita e da comunicação. Não são raros os casos de falantes nativos que não dominam a sua língua materna em contextos genéricos, nem raros os casos de bons falantes que não a dominam em contextos de comunicação mais complexos.
Se uma língua materna coloca desafios e gera dúvidas a muitos dos seus falantes, o que dizer de uma segunda língua?
Assim, a ideia popular de que um tradutor é alguém que “fala muitas línguas” não poderia estar mais errada. Um tradutor é alguém que, antes de qualquer outra coisa, domina perfeitamente, pelo menos, duas línguas.
O primeiro passo do tradutor amador será, então, avaliar de forma honesta e humilde as suas competências linguísticas e o segundo passo será ter abertura para aperfeiçoar as restantes competências de tradução. O que nos leva ao ponto seguinte.
Não ter a humildade necessária para evoluir
É frequente um tradutor amador desconhecer os meandros do processo de tradução e não ter, ainda, a experiência e os conhecimentos que lhe permitem identificar falhas subtis (ou mais óbvias) no processo de transferência.
Esse desconhecimento pode gerar dificuldade em perceber, ou até em aceitar, que um revisor ou tradutor mais experiente assinale “erros” na sua tradução.
Um exemplo comum é a dificuldade em distinguir um erro de tradução de um erro gramatical.
Alguns amadores utilizam argumentos como “moro em Portugal há X anos e sempre ouvi esta expressão”, “esta frase está gramaticalmente correta” ou “esta palavra existe no dicionário”. No entanto, em tradução, cada solução encontrada deve estar em harmonia com aspetos como o contexto, a função de comunicação do texto, as características do emissor e do recetor ou a terminologia e fraseologia convencionada pela indústria ou função do documento em causa.
Como em qualquer outro processo de aprendizagem, também na tradução é importante evitar que o excesso de ego se sobreponha à abertura necessária para aprender e evoluir.
Não investir em formação
O terceiro erro é pensar que qualquer pessoa que fale mais do que uma língua é bom tradutor. Seria o mesmo que pensar que qualquer pessoa que sabe manusear uma tesoura é bom cabeleireiro.
Se a dada altura um amador, com os conhecimentos de base necessários, pretender fazer traduções pagas e a nível profissional, como em qualquer outro ofício, deverá investir em formação.
Aceitar um trabalho sem possuir as competências necessárias
Nem todos os tradutores, nem mesmo os mais experientes, são adequados e qualificados para traduzir todos os tipos de texto.
Além das competências linguísticas, é importante um tradutor saber avaliar se tem a competência cultural, intercultural, temática ou até tecnológica para aceitar determinado trabalho. Não tendo, é importante saber recusar, demonstrando respeito não só pela qualidade do seu trabalho como pelo cliente.
Traduzir "à letra"
As estruturas gramaticais, o uso dos tempos verbais, os mecanismos de coesão (ligação harmoniosa entre os diferentes elementos de um texto) e inúmeros outros mecanismos de linguagem variam de língua para língua, pelo que, uma tradução que consiste na substituição de palavra por palavra, ou de frase por frase, gera um texto pouco natural e pouco coeso.
Os tradutores amadores tendem a ficar mais “colados” à estrutura do texto original e a fazer traduções literais e menos naturais. Mas importa reter que um tradutor não traduz palavras, nem frases. Traduz significados.
É necessário, assim, descodificar a mensagem e o significado global do texto (e de cada uma das suas partes), para depois a recodificar reproduzindo o mesmo efeito e o mesmo significado na tradução, o que raramente se consegue utilizando mecanismos linguísticos característicos da língua de partida, mas não da língua de chegada.
Não realizar todas as etapas do processo de tradução
Os tradutores iniciantes têm também tendência para começar a traduzir de imediato — sem fazer uma leitura global do texto, sem compreender o contexto em que se insere, a sua intenção ou a sua função, sem ler as instruções do cliente ou sem identificar o conhecimento extra que é necessário pesquisar e reunir os recursos relevantes para colmatar eventuais lacunas de conhecimento.
Durante a tradução, é necessário esclarecer todas as dúvidas, evitar fazer pesquisas superficiais e em fontes duvidosas e utilizar pensamento crítico para solucionar desafios de tradução que requerem criatividade, i.e. (palavras, expressões ou frases que não se podem traduzir de forma literal).
Também após a tradução, é necessário rever o texto, ou seja: relê-lo, editá-lo para melhorar a sua fluência e coesão global e utilizar mecanismos de verificação gramatical para garantir que não contém erros evitáveis.
Um processo de tradução completo tem várias etapas e ignorar parte destas etapas compromete o resultado final.
Conclusão
O nível de conhecimento prévio e o conjunto de competências com que um amador ou principiante inicia um novo “ofício” varia muito de pessoa para pessoa. Nem todos os principiantes cometem erros básicos e os tradutores profissionais também cometem erros. Este artigo não reflete necessariamente a realidade de todos os tradutores principiantes ou amadores, destina-se a identificar conceções erradas sobre o processo de tradução, a identificar as competências do tradutor e a resumir conjunto de condutas não profissionais.
Em suma, a tradução não difere de outra atividade no sentido em que requer a aquisição e o aperfeiçoamento de um conjunto de competências e aptidões específicas que vão muito além de saber falar uma segunda língua.
Espero, assim, que a reflecção sobre as questões enumeradas acima seja tão útil para futuros tradutores como foi para mim quando iniciei a minha jornada.
Sara Nogueira
Especialista linguística de português europeu na Gengo
2件のコメント
Adorei o texto, tá bem compacto e fácil de ler.
Muito obrigada, Gabriel :)