Olá a tod@s!
Espero que se encontrem bem.
No artigo de hoje, com base em erros de tradução assinalados ao longo do mês de março, tentarei esclarecer a confusão frequente entre os comparativos melhor e mais bem, assim como erros resultantes de lacunas de regência sintática.
Recomendo ainda uma consulta ao artigo EN>PT (EU) Erros Comuns, ao Guia de Estilo da Gengo e aos 15 artigos da série “principais erros de tradução”, (disponíveis aqui: I, II , III, IV, V, VI, VII, VIII, IX , X, XI, XII, XIII, XIV e XV) a todos os que ainda não tiveram oportunidade de o fazer.
Melhor ou mais bem?
A confusão entre os comparativos melhor e mais bem é frequente entre falantes de português.
Rega geral, melhor é o comparativo de bom (O bolo de mação é bom, mas o de laranja é melhor) e mais bem é o comparativo de bem (Ela preparou-se bem, mas a adversária estava ainda mais bem preparada).
Contudo, a confusão surge porque, em algumas situações, o advérbio melhor também pode ser o comparativo de bem (quando modifica apenas o verbo e não antecede um particípio passado adjetival).
Exemplo:
A) A Joana escreveu bem, mas a Luísa escreveu melhor — melhor modifica apenas o verbo escrever.
Mas
B) A redação da Luísa estava mais bem escrita. — mais bem antecede o particípio passado escrita.
Assim, diz-se:
- Alguém …. cantou melhor, falou melhor, escreveu melhor (…);
Mas
- Alguém …. está mais bem preparado, mais bem informado, mais bem conservado (…).
No exemplo abaixo, o comparativo antecede o particípio passado (“classificado”), pelo que se utiliza a locução mais bem e não o advérbio melhor.
Exemplo:
EN — Top Rated
PT — O Melhor Classificado ✖
PT — O mais bem classificado ✔
Regência sintática e frases incompletas
A sintaxe de regência estuda as ligações entre um verbo e os seus complementos (regência verbal) ou um substantivo, adjetivo e advérbio e os seus complementos (regência nominal). Netas relações existem, assim, termos regentes (que precisam de um complemento para fazerem pleno sentido) e termos regidos (que complementam o sentido dos termos regentes).
Quando determinado termo (verbo, nome, adjetivo ou advérbio) requer um complemento para fazer sentido e esse complemento não é expresso, a frase torna-se incompleta e de difícil (ou impossível) compreensão.
Exemplo:
EN — Say goodbye to the lost time. Do it – digitally.
PT — Acabou-se o tempo perdido. Faça-o – digitalmente ✖
PT — Acabou-se o tempo perdido. Realize as suas tarefas digitalmente ✔
Em algumas situações linguísticas, o verbo fazer, pode surgir como verbo intransitivo, ou seja, não requerendo um complemento para completar o seu sentido (Exemplo: “Ela promete, mas não faz”).
No entanto, no exemplo acima, o verbo fazer surge como transitivo direto, o que significa que requer um complemento direto para que o seu sentido fique completo (Exemplo: “Alguém devia fazer alguma coisa”).
Se, em inglês, a expressão “do it” funciona sem mais informação linguística (como é o caso do célebre slogan da Nike “Just Do It”), em português não acontece o mesmo. Não faria sentido traduzir o slogan da Nike como “Fá-lo simplesmente!” ou “Simplesmente fá-lo!”.
Ao transferir um conceito de uma língua/cultura para a outra, muitas vezes é necessário que se altere a estrutura sintática para que se produza um efeito semelhante.
Uma vez mais, espero que o artigo de hoje tenha sido útil para esclarecer e ajudar a prevenir estes tipos de erros, e, como sempre, não hesitem em partilhar as vossas dúvidas ou sugestões.
Até breve e continuação de boas traduções!
Sara Nogueira
Especialista linguística de português europeu na Gengo
3 comments
Olá, Sara.
Trabalho em revisão de texto e tenho tido algumas dificuldades em explicar aos tradutores com quem colaboro que a expressão "ao + Infinitivo" para traduzir segmentos com "by + Gerund" resulta numa tradução muito literal e que não corresponde à estrutura mais natural da nossa língua. Exemplo:
EN: Read the article by clicking the link
TRADUÇÃO LITERAL: Leia o artigo ao cliclar no link
A MINHA SUGESTÃO HABITUAL: Clique no link para ler o artigo / Leia o artigo clicando no link
Entendo que os tradutores rejeitam o Gerúndio por medo de que os nossos textos adquiram um tom mais próprio do português do Brasil, apesar de eu já ter sublinhado as diferenças do Gerúndio como forma nominal ou como elemento das perífrases verbais, essas sim, tipicamente brasileiras.
Sei que este comentário em nada se relaciona com este artigo, mas como ando à procura de materiais de referência para partilhar com as minhas equipas, encontrei este fórum e resolvi pedir ajuda sobre este tópico específico. Será que há por aqui algum artigo sobre o tema? Se sim, agradecia sinceramente a partilha.
Obrigada,
Lídia Cristina Ribeiro
Olá, Lídia.
Muito obrigada pelo comentário.
Esta questão pertinente ainda não foi analisada em nenhum dos artigos anteriores.
De momento, não conheço nenhum material de referência que analise especificamente a construção «"ao + Infinitivo" para traduzir segmentos com "by + Gerund"», no entanto, justificaria o erro da seguinte forma:
A construção “ao + infinitivo” pode ter valor temporal (quando) ou causal (porque)
Exemplo:
Temporal – Ao chegar, a Ana cumprimentou-me (quando chegou a Ana cumprimentou-me)
Causal - Ao ser antipática, a Ana afasta as pessoas (Por ser antipática a Ana afasta as pessoas/ A Ana afasta as pessoas porque é antipática).
Nenhum destes sentidos se aplica a frases como “Leia o artigo ao clicar no link”:
Uma tradução deste género não resultaria num erro de tradução literal, mas sim num erro de tradução (tanto erro gramatical em português, como erro de transferência de significado de inglês para português).
Espero ter ajudado.
Cumprimentos e continuação de bom trabalho 😊
Muito obrigada, Sara!