É com muita satisfação que regresso a esta publicação mensal que, após um período de teste, adquire, agora, um carácter mais efetivo.
O duplo objetivo destes artigos mensais é: 1) permitir uma comunicação mais direta, aberta e transparente entre LSs e tradutores e 2) analisar as tendências do mês anterior em termos de erros ou outros aspetos de tradução que possam ser melhorados no futuro.
Depois das retrospetivas de setembro, outubro e novembro e dezembro de 2021 — e de um período de interregno em janeiro — regressamos com a retrospetiva de fevereiro que, a par das publicações anteriores, pretende complementar recursos permanentes como o Guia de Estilo da Gengo e os Erros mais comuns em EN-PT.
A maior parte dos erros assinalados nas revisões de fevereiro enquadram-se em categorias já abordadas nestes artigos, assim como nos recursos permanentes (por exemplo, erros ortográficos, erros de interpretação, frases ou termos não fluentes que resultam de traduções literais), pelo que poderão consultar dicas e explicações úteis a respeito destes erros nos comentários individuais de revisão e nos recursos já disponibilizados. Além destas, identificámos, nas traduções de fevereiro, três situações bastante recorrentes, que vale a pena revisitar e que poderão ser facilmente evitadas no futuro, nomeadamente:
- A vírgula e o vocativo
Exemplo 1
EN: I've seen your letter [[[name]]].
PT: Li a tua carta [[[name]]]. ✖
PT: Tive a oportunidade de ler a tua carta, [[[name]]]. ✔
Exemplo 2
EN: Hello Artur,
PT: Olá Artur, ✖
PT: Olá, Artur. ✔
Nas palavras da linguista Sandra Duarte Tavares, no Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, «O vocativo é o termo sintático que representa a pessoa a quem o emissor se dirige […] e deve ser sempre separado dos outros elementos por uma vírgula». Embora o não uso desta virgula obrigatória seja cada vez mais comum nos jornais, na televisão e noutros meios de comunicação social, ainda não se tornou numa norma, pelo que o vocativo deve sempre ser isolado por vírgulas dos restantes constituintes da frase.
- Ambiguidade estrutural
Exemplo:
EN: Microwaveable Popcorn with Sweetener
PT: Pipocas para Micro-ondas com Adoçante ✖
PT: Pipocas com adoçante para micro-ondas ✔
Para que a nossa imaginação não nos remeta para um «micro-ondas com adoçante», mas antes para «pipocas com adoçante», devemos ter o cuidado de reordenar os constituintes da frase de forma a evitar possíveis interpretações ambíguas como esta.
Por exemplo, a frase «Conheci-o quando era professor», gera uma ambiguidade [(Quando eu era professor?) ou (Quando ele era professor?)] que pode ser facilmente evitada com o uso de um pronome: «Conheci-o quando eu era professor».
Embora haja sempre uma forma de evitar estas formulações ambíguas, continuam a ser muito recorrentes quer em textos originais (no nosso caso, em inglês), quer em traduções — o que nos leva ao ponto seguinte.
- Perpetuação de erros do texto original
O exemplo acima, representa uma situação em que o texto de partida contém uma ambiguidade estrutural. Nestes casos, será que os tradutores devem ser penalizados por se manterem fiéis ao «erro» original? Na maior parte das vezes, sim! Isto porque, enquanto tradutores, devemos transmitir com o máximo de clareza a mensagem e a intenção do emissor e, certamente, a intenção original dos nossos emissores não teria sido a de se enganarem, confundirem o recetor ou cometerem um lapso. Assim, as traduções não devem perpetuar os erros, sejam eles de que ordem forem.
Por vezes, o texto com que nos deparamos poderá ser já uma tradução a partir de outro idioma, poderá ter sido escrito por um falante não nativo de inglês ou poderá simplesmente ter sido escrito por um nativo que cometeu um lapso. Seja qual for o motivo, os erros em português que derivarem de erros no texto original (uns mais flagrantes, outros menos) serão assinalados pelo revisor. Como em todos os casos, o bom senso do tradutor e do revisor ajudarão a determinar as exceções.
Para terminar o artigo deste mês, gostaria que partilhassem nos comentários não só as vossas sugestões para que estas publicações se possam tornar mais úteis no futuro, como também dúvidas recorrentes que possam ter, para que as possamos discutir nos comentários ou em publicações futuras.
Até breve, e continuação de boas traduções! 😊
Sara Nogueira
4 comments
Olá, Sara.
Obrigada por mais um artigo interessante.
No entanto, tenho uma dúvida. Se a tradução dada no Exemplo 1 incluísse a vírgula (Li a tua carta, [[[name]]].), seria corrigida à mesma (PT: Tive a oportunidade de ler a tua carta, [[[name]]].)?
Olá Ana,
Muito obrigada pelo feedback. :)
É uma boa questão. Aparentemente não há erro gramatical em "Li a tua carta, [nome]". Mas parece-me uma forma menos educada (e até desadequada) de se iniciar uma conversa ou um e-mail com alguém (sendo logo a primeira frase dirigida ao recetor). A menos que as pessoas se conheçam muito bem. Este é um bom exemplo de situações em que o revisor tem dificuldade em assinalar ou até em explicar um "erro". E gostaria de aproveitar esta dúvida para pedir a opinião dos tradutores.
Enquanto revisores/editores assinalariam ou alterariam esta frase?
(Respondendo de forma mais definitiva, aquilo que num texto mais informal e numa tradução de qualidade STANDARD poderá não ser considerado "erro", num texto e contexto que exige mais formalidade/ numa tradução de qualidade PRO, poderá ser considerado erro. Neste caso específico e real, apenas foi assinalado o erro de pontuação [a falta de vírgula]).
Olá, Sara.
Obrigada pela resposta.
Como em praticamente todo o trabalho de tradução, penso que a correcção ou não correcção desta frase específica dependeria do contexto. São dois amigos? São dois conhecidos informais? São conhecidos formais e a comunicação tem ou requer algum distanciamento? Há limite de caracteres para a tradução? É uma frase no início ou a meio de uma conversa? É uma frase solta ou integrada numa conversa?
Isto também me leva ao último ponto do artigo. Haverá certamente casos em que é necessário transpor ou adaptar à tradução o erro do original. De repente, lembro-me de conteúdos para crianças que, como sabemos, no início têm alguma dificuldade em dizer o "R". No original, uma criança poderá dizer "flowel" (flor) e adaptarmos para "flole" na nossa tradução. Se corrigíssemos, algo se estaria a perder.
Todas estas questões reforçam a ideia de que a tradução é realmente um mundo muito interessante, muito longe de ser preto e branco.
É isso mesmo. Não diria melhor.
Uma tradução e um ato de comunicação nunca se podem dissociar do seu contexto e da sua intenção.
A tradução, a linguagem, a comunicação, a linguística e todos os ramos associados são um "universo" complexo, fascinante, muitíssimo colorido e em constante expansão/mutação. É por isso que os robôs ainda não conseguiram substituir estas "máquinas" incríveis que somos no que diz respeito à linguagem. [ E é por isso também que existem desafios de tradução e de revisão mais complexos :-) ]